‘Novos Sertões’ – Palma: a revolução da água no sertão
4 de outubro de 2016 - 00:00
Na última reportagem da série ‘Novos Sertões’, a equipe da ASCOM da Secretaria de Desenvolvimento Agrário – SDA – conheceu a experiência de plantação da palma forrageira no município de Quixeramobim, sertão dos Inhamuns
Reportagem: Aécio Santiago
Fotos: Aécio Santiago
Arte: Elane Lima
Pela primeira vez neste ano, parte do Ceará registrou nível de “seca excepcional”, o mais drástico na escala de estiagem da Agência Nacional das Águas (ANA). No Sertão dos Inhamuns, no município de Quixeramobim, essa realidade é vencida com uma planta, a Palma Forrageira, que há mais de quatro anos vem abastecendo animais, produtores e um dos principais programas do Governo do Ceará, o Hora de Plantar.
A filha do agricultor Antônio Roberto de Sousa Nascimento, 40 anos, já está se formando em técnica de enfermagem e é um dos principais sintomas da transformação que uma planta vem provocando no semiárido nordestino e cearense. No distrito Lagoa do São Miguel, a cerca de 28 quilômetros da sede Quixeramobim, a mudança é, principalmente, econômica.
Somente em 2016, saíram da propriedade do agricultor Osaias de Almeida Castro, 64 anos, do Distrito São Miguel, dois milhões de raquetes de palma para o programa de distribuição de sementes do Governo do Ceará, o Hora de Plantar.
Na época em que todos os quase seis hectares estão na colheita Osaías precisa contratar cerca de 20 homens para dá conta do serviço. Além do programa Hora de Plantar, a palma atende ao consumo animal e é comercializada junto a produtores locais e de outros municípios.
Toda essa mudança foi iniciada há cerca de quatro anos quando a força dessa planta ainda era desconhecida pela maioria dos agricultores do Ceará. “Eu mesmo teimei muito até acreditar que isso daria certo”, diz Osaías, que ainda “teimava” na roça e na produção de sequeiro (milho e feijão). Um dos filhos, que ajudou nessa transformação, Júlio Castro viu uma reportagem na televisão e resolveu introduzir a produção da palma forrageira na fazenda.
A revolução da água
Com uma planta que dura de 12 a 15 anos de vida, precisa de pouquíssima água para se desenvolver e que pode ser usada de várias maneiras, o jovem produtor viu rapidamente as vantagens da palma forrageira. Com menos de um mês de plantada, a palma já obtém um crescimento que impressiona quem não conhece a forma como ela aproveita os nutrientes da terra e a energia solar. E tudo isso com uma irrigação por gotejamento e com recursos hídricos limitados por conta do quinto ano consecutivo de estiagem.
No distrito de São Miguel, os seis hectares são irrigados por um cacimbão e dois poços profundos somando 1,5 mil litros por hora. Para aproveitar ainda mais os poucos recursos hídricos e a potencialidade de aproveitamento dessa realidade pela planta, a família introduziu a tecnologia do reuso da água cinza domiciliar, aquela usada na pia da cozinha ou no chuveiro e seria desperdiçada.
“O investimento é bem pequeno e o retorno muito grande. Aproveitamos a água para a palma e para alguns animais e com toda a água vinda da casa. São mais de 500 litros usados diariamente”, fala Júlio Castro mostrando o sistema, que é formado por um filtro com areia, brita, um segundo recipiente para nova filtragem e o terceiro que recebe a água limpa.
Com uma produção de 600 mil raquetes por hectare plantados na Fazenda em Quixeramobim, a palma forrageira vem ocupando cada vez mais espaço na produção agrícola cearense. Num cenário como o ano de 2016, onde a estiagem atingiu o momento mais crítico, segundo a Agência Nacional da Água (ANA), a palma representa mais do que uma alternativa e, sim, um dos mais importantes meios produtivos no campo.
Pesquisa
Para o coordenador de Apoio às Cadeias Produtivas da Pecuária (Coape), Márcio Peixoto, a palma tem sido, de fato, uma grande revolução para os pequenos e médios produtores rurais. “Já estamos em fase de experimentação para o uso da muda da palma em saquinho. Vamos começar mudando o tempo de irrigação para cada variedade da planta e observar como acontece a reação no recipiente plástico como já acontece com outras mudas”, esclareceu Márcio Peixoto, que acompanha o trabalho desenvolvido na fazenda Lagoa do São Miguel.
Ele diz que além da força no desenvolvimento da planta e seu multiuso na agricultura e reserva alimentar, a palma também serve para consumo humano em diversas receitas. “Infelizmente ainda há um tabu muito grande, mas no México, por exemplo, a palma é facilmente encontrada nos mercados e usado na alimentação humana”, diz Márcio.
A pior situação ocorre no Cariri e na parte inferior do Sertão dos Inhamuns, atingindo aproximadamente 20 municípios. Os dados se referem ao mês de julho e foram consolidados pelo Monitor da Seca — ferramenta do Governo Federal que acompanha a evolução da estiagem.
O que é a palma?
A palma forrageira foi introduzida no Brasil no final do século XIX com o objetivo de produção do corante carmim, sendo logo descoberta, sua vocação forrageira. No início do seu cultivo, para fins forrageiros, a palma não era de fato encarada com cultura agrícola, sendo geralmente plantada em recantos de solos de menor fertilidade. Com o passar do tempo, foi se observando sua grande exigência em relação à fertilidade do solo.
Segundo Santos et al. (2006) o Brasil é o maior produtor mundial de palma forrageira. Estima-se que exista cerca de 600 mil hectares de palma forrageira no Nordeste, distribuídos nos estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba, Alagoas, Rio Grande do Norte e Bahia.