Festival das Juventudes: realidades se reconectam a partir de vivências do semiárido

16 de novembro de 2018 - 16:21 # # # #

Ascom | André Gurjão - andre.gurjao@sda.ce.gov.br

“A identidade camponesa sempre foi negada por várias gerações”, aponta a representante do Cetra, Cristina Nascimento. Se por muitos anos os jovens sentiam vergonha de se afirmarem agricultores e filhos de agricultores familiares nas escolas, igrejas e em diversos espaços públicos pelo interior do Estado, o panorama da ruralidade começou a mudar. “Sou jovem da roça, cearense e nordestina com muito orgulho. Estudei a minha vida toda em escola pública e tive acesso ao ensino superior andando de pau-de-arara”, narra a própria história de vida a secretária de Juventude Rural da Fetraece, Milena Camelo.

Acostumados a sempre ouvirem, em casa e na escola, que o trabalho no roçado não lhes traria futuro, os jovens atendidos pela Secretaria do Desenvolvimento Agrário (SDA), através do Projeto Paulo Freire, também tomaram uma decisão diferente daquelas dos amigos e familiares: quiseram permanecer no campo e conquistar melhores condições de vida para si, para suas famílias e para suas comunidades. “Pra ser jovem (no semiárido) tem que ter muita resistência. É possível, mas tem muita gente não se acha capaz”, observa Rafael Araújo, 18 anos, morador da comunidade Baixa Verde, município de Ipueiras.

As razões para desacreditar são muitas e se tornaram até recorrentes ao redor de tantos anos de história do semiárido: as dificuldades em obter retorno financeiro a partir da agricultura que não recebe o apoio da assistência técnica adequada, a facilidade do lazer nos grandes centros urbanos, as baixas condições de educação e saúde e até mesmo o sonho de fazer a vida numa grande metrópole. “(O que faz com que os jovens saiam da casa dos pais), É pela falta de oportunidade e de emprego e isso vem desde a Revolução Industrial”, acredita Regiane Farias, de 19 anos, moradora da Fazenda Jatobá, no município de Hidrolândia.

“É insistir, persistir e nunca desistir: com fé em Deus a gente lá onde tem que chegar”, aconselha o eterno agricultor familiar Evangelista Braga, de 66 anos. A frase é tão emblemática para um cardíaco que é capaz de descrever numa tacada só um otimismo eloquente e uma longa sina de anos dedicados a uma atividade profissional que demorou muito para lhe entregar uma perspectiva de futuro clara. Hoje, o produtor de polpa de fruta e presidente da Associação Comunitária da Fazenda Altamira pode até arriscar o otimismo, embora nunca largue o ponto tácito de sua própria auto-definição: “Ser agricultor é sofrer”.

E ninguém está interessado em sofrer, muito menos os jovens que iniciam por vezes uma carreira no roçado em obediência aos pais e como única alternativa de sobrevivência em meio à sequidão e à aridez do semiárido nordestino. A vocação para terra é um acerto com a história dos pais, embora não precise ser cruz e crucifixo. “Quando me formei decidi que não queria trabalhar numa indústria porque não queria enriquecer uma terceira pessoa e não investir em mim mesmo. Então, eu pensei: porque não criar a minha fonte de renda no meu quintal sem precisar sair de casa, até mesmo porque nunca gostei da cidade”, questiona Thiara de Sousa, de 22 anos, moradora da comunidade Santa Luzia, no município de Sobral.

Como forma de desestabilizar este panorama obscuro, especialmente em benefício aos jovens, às mulheres, aos quilombolas, indígenas e pescadores artesanais, o Governo do Ceará, através da Secretaria do Desenvolvimento Agrário (SDA), criou o Projeto Paulo Freire. A iniciativa promete erradicar a extrema pobreza em comunidades rurais localizadas nos 32 municípios cearenses com mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH).

Além de capacitações já executadas através de empresas prestadores de Assistência Técnica Contínua (ATCs), voltadas a temáticas como acesso às políticas públicas; gênero, raça e etnia; e agroecologia e meio ambiente, a iniciativa garante o acesso à primeira água (cisternas de placa) e conduz processos licitatórios que irão assegurar a implantação de planos de investimento em áreas como apicultura, artesanato, avicultura, bovinocultura, forragicultura, ovinocaprinocultura, e piscicultura, dentre outros.

“O que já mudou com o projeto (na comunidade rural Fazenda Altamira, em Reriutaba) foi a união. Poucos se ajudavam e, quando o Paulo Freire chegou, a gente começou a se ajudar mais, entre nós mesmos, na comunidade, e também na associação”, comenta Erivan Braga, de 25 anos. “O meu sonho é ter sucesso naquilo que a gente vem tentando desde antes e eles (os técnicos do PPF) chegaram para abrir a cabeça e nos ensinar como fazer”, conclui o jovem produtor rural que aguarda a implantação do plano de investimento em ovinocaprinocultura.

Fotos: Marcos Vieira e André Gurjão