Uma nova geração transforma o campo num celeiro de oportunidades

1 de dezembro de 2018 - 21:18 # # # # #

Ascom | André Gurjão - andre.gurjao@sda.ce.gov.br

Na comunidade Trapiá, área rural do município de Massapê, um jovem agricultor se tornou um dos primeiros beneficiários do Projeto Paulo Freire em todo território cearense. A ação do Governo do Ceará, através da Secretaria do Desenvolvimento Agrário (SDA), quer por um fim na extrema pobreza rural nos mais variados rincões do Estado e a família de Gino Barroso é a maior prova que a iniciativa tem tudo para dar certo nas 600 comunidades em que o projeto atua em 31 municípios cearenses distribuídos nos sertões de Sobral, Inhamuns e Crateús, Serra da Ibiapaba e Cariri.

“Antes, para o jovem trabalhar, tinha que ir para cidade e o Paulo Freire me deu essa oportunidade: para que eu ficasse aqui na propriedade trabalhando junto aos meus pais”, narra o jovem agricultor de apenas 24 anos sobre os benefícios que o projeto trouxe para própria vida. “Eu já fazia os plantios e a assistência técnica veio para melhorar esse cuidado com as minhas plantas e com os animais – e também passei a melhorar a renda aqui de casa com as minhocas que a gente cria a partir do reuso e vende para o Cetra (Centro de Estudos do Trabalho e Assessoria do Trabalhador)”.

A casa de alvenaria onde a família Barroso passou a viver há apenas um ano contrasta com aquela de taipa que ficou para trás. Hoje, são quatro quartos que se comunicam com um vão só de sala e cozinha. Tudo montado na alvenaria. Antes, era apenas uma velha casa de taipa de dois quartos, uma sala e cozinha. Até a tevê de 32 polegadas, onde o irmão mais velho acompanha uma série por meio do serviço de streaming da Netflix, parece mais arranjada defronte do sofá que dá de frente para a porta de casa. Tudo ainda muito simples, embora a mudança de vida venha em parcelas as quais o orçamento da família possa suportar.

O “luxo” da nova moradia fica por conta dos azulejos no banheiro social e da suíte sob a posse da única filha do casal Francisco de Assis e Lucivalda Barroso. A caçula Gisele, de apenas 15 anos, aluna da Escola de Ensino Profissionalizante Francisca Nelita Albuquerque, viveu bem pouco das dificuldades que passou a família Barroso. Mas a riqueza, mesmo, fica do lado de fora de casa: um aprisco abastecido com matrizes ovinas de boa qualidade, entregues pelo Projeto Paulo Freire, e a promessa de entrega de um reprodutor puro de origem nos próximos meses – para que as futuras gerações de ovelhas ponham ainda mais comida e renda na mesa da família.

Repense, reuse, reutilize

Mas, além do que todo mundo no sertão deveria ter para viver com dignidade, há algumas novidades que custam bem pouco, embora façam toda a diferença na horta: um equipamento de reuso de águas de cinzas domiciliares e um biodigestor instalados pelo Paulo Freire e com a parceria da entidade prestadora de assistência técnica. O primeiro, de nome comprido e pouco acessível, ficou apelidado apenas pelo termo “reuso”: e nada mais é que uma complexa trama de canos que coleta o descarte d´água de pias e chuveiros para que atravesse duas filtragens físicas e uma biológica.

Com uma ajuda da inclinação do terreno, a primeira etapa acontece numa caixa de gordura onde toda sujeira de óleos e resíduos domiciliares é filtrada e encaminhada por meio de tubulação ao minhocário. Aqui, os resíduos orgânicos são tratados por minhocas e precipitam por gravidade através das camadas de seixo, brita, areia lavada e serragem, que ficam logo abaixo, numa profundidade total de 2,5 metros. O material líquido restante desliza por mais um encanamento, quando é recolhido por uma caixa d´água e de lá bombeado para uma horta com pés de goiaba, amora, tomate-cereja, pimentão e quiabo.

O resultado de todo esse processo é simples: a redução do consumo d´água retirada do riacho que corre ali perto e mais renda e alimentos saudáveis na mesa da família. O cuidado com toda a infraestrutura, que envolve alguns metros de tubulação, uma caixa de gordura, uma bomba propulsora e duas estruturas de alvenaria, é bem pouco: a limpeza periódica da caixa de gordura e o cuidado para que os canos não se rompam. Gino garante que nunca teve problema com todo o equipamento entregue há cerca de três anos e, caso venha a ter, ele sabe que é possível substituir as peças por um preço acessível com o conhecimento que recebeu.

Uma mão amiga a serviço do campo

“O Gino é, na verdade, o resultado do Paulo Freire para aquela família e também para aquela comunidade. É verdade que o Paulo Freire é apenas um projeto, mas também é uma estratégia de governo que busca no fortalecimento da agricultura familiar a criação de mais oportunidades para esse público jovem – como também para as mulheres, os quilombolas, indígenas e pescadores artesanais”, argumenta a coordenadora do Cetra, Cristina Nascimento, entidade responsável pela prestação da assistência técnica contínua no território de Sobral I.

“Quando a gente chega naquela família, a gente enxerga primeiro os pais do Gino, que já eram beneficiários dos programas de cisternas (de primeira água e enxurrada), e depois vê o filho do seu Assis e da Dona Lucivalda. E foi ele que foi se apropriando das tecnologias sociais que chegaram até aquela família. Hoje, o domínio que ele possui daqueles do biodigestor e do reuso demonstra que ele conhece de forma autônoma o que é e o que representa as tecnologias sociais na vida daquela família e no fogão de casa”, comenta.

“É esse beneficiário do Paulo Freire que começa a participar e a gente também estimula a participação dele em eventos mais coletivos: ele participou da oficina de sistematização do Semear e foi ele quem apresentou o biodigestor na última missão do FIDA (o Fundo Internacional de Desenvolvimento da Agricultura, financiador do Paulo Freire). São esses resultados que vão para além do econômico e representam bem o nosso desejo dessas comunidades saírem fortalecidas”, conclui.

Gás de cozinha, e de graça!

“A tecnologia social é uma tecnologia para ajudar a vida do agricultor na zona rural, que seja fácil o acesso e a manutenção”, ilustra o conhecimento apreendido com as capacitações e oficinas do Paulo Freire. “No caso do biodigestor, a gente gera um gás (metano) e, a partir disso daí, não precisa mais você comprar o gás (de cozinha) – que a gente comprava aqui mesmo pela comunidade”, resume numa única frase a economia de quase R$ 80 no orçamento da família.

Os biodigestores são compartimentos fechados nos quais ocorre a decomposição de matéria orgânica através de reações onde não há contato com o ar (anaeróbia), produzindo biogás e biofertilizante de alta qualidade. A primeira parte do equipamento no quintal da família Barroso é um “alimentador”, que fica externo à parte central do conjunto. Lá, o esterco bovino fresco é depositado e desce por gravidade através de uma tubulação até chegar a uma caixa de cimento onde o jovem agricultor deposita água para diluir o esterco.

A pressão de uma caixa plástica sobre o material orgânico, num ambiente hermeticamente fechado, permite acelerar a decomposição anaeróbica do esterco: gerando gás carbônico e metano. Os gases são, então, captados por um filtro feito de um garrafão de água de 20 litros e, por meio de um tubo seguem direto para a boca do fogão de casa. Além disso, o biofertilizante que é expurgado do biodigestor é um excelente adubo natural e permite, por exemplo, o aumento da produtividade do coqueiro no quintal da casa do jovem agricultor.

Paulo Freire

O Projeto Paulo Freire é um dos eixos de atuação da Secretaria do Desenvolvimento Agrário (SDA) que visa especificamente combater a extrema pobreza em comunidades rurais com baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH). Todas as ações são financiadas por meio de recursos provenientes de um acordo de empréstimo envolvendo o Governo do Ceará e o Fundo Internacional de Desenvolvimento da Agricultura (FIDA) e são executadas a partir do trabalho de entidades prestadoras de Assessoria Técnica Contínua (ATC) às famílias do campo.

A área de atuação do Paulo Freire compreende uma extensão de aproximadamente 23.530 km2 e abrange 31 municípios em seis territórios cearenses: Cariri, Sertão dos Inhamuns, Sertão de Crateús, Sertão de Sobral, Serra da Ibiapaba e Litoral Oeste / Vale do Curu-Aracatiaçu. Já o público-prioritário do projeto envolve jovens, mulheres, indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e comunidades tradicionais do Estado do Ceará.

Além da implementação dos projetos produtivos, em áreas como apicultura, artesanato, avicultura, biodigestor, bovinocultura leiteira, forragicultura, ovinocaprinocultura, reúso d´agua e suinocultura, os beneficiários do projeto participam de capacitações e intercâmbios que abordam temas como a execução e acompanhamento de políticas públicas, agroecologia, empreendedorismo rural e associativismo.

(Imagens Marcos Vieira e André Gurjão)