São José: Políticas de convivência com o semiárido mudam vidas e as paisagens do Sertão

18 de março de 2019 - 11:21 #

Ascom | André Gurjão - Repórter | André Gurjão e Marcos Vieira - Fotos

Políticas públicas, incentivos estruturais e apoio financeiro, além de assistência técnica estão entre as ações do Governo do Ceará para garantir desenvolvimento no semiárido e agricultura de subsistência.

Neste dia 19 de março, Dia de São José, os agricultores de todo o Ceará têm muito o que comemorar. Para além do anúncio de novos recursos para a quarta etapa do Projeto São José, a ser realizado no feriado que celebra o Santo Padroeiro, o homem e a mulher do campo foram atendidos, nos últimos quatro anos, com políticas públicas que incentivaram a convivência com o semiárido e a permanência dos trabalhadores rurais no interior do Estado. Na ocasião, o Governo do Ceará inicia uma série de publicações mostrando as políticas desenvolvidas, o impacto na vida do trabalhador rural e as perspectivas de um futuro que segue para a modernização e avanço das técnicas de convivência com a seca e nem de longe permite retrocessos.

“Eu dormia de noite e pensava ´se o carro-pipa não passar amanhã, como vai ser?´. Tinha dia que tinha água e dia que tinha não. Passava de dois, três dias”, narra Otília Sena, de 77 anos. A moradora da comunidade Aroeiras, no município de Aracati, representa uma das 127 famílias atendidas pelo sistema de abastecimento d´água entregue pelo Governo do Ceará e não esconde a emoção de enxergar na conquista o rosto do próprio marido que faleceu fazem quatro anos, sem poder ver a água passando pela torneira de casa.

“Eu, quando me casei, tinha 23 anos de idade e morava aqui mesmo na Aroeira. Do outro lado acolá, mais longe. Vim morar aqui nessa casa e graças a Deus não me faltou mais nada. Meu marido era agricultor, trabalhador, batalhador, e lutava muito pela comunidade. Foi uma pessoa com muita garra de andar atrás dessa água que ele morreu e não viu. Mas quem ficou viu, né”, contou. “Eu trabalho aqui nesse roçado, mas quando tô limpando ele tá do meu lado, me ajudando. Eu tenho aquela fé que ele tá aqui mais eu”, se emociona.

Entre 2015 e 2019, o Governo do Ceará, através da Secretaria do Desenvolvimento Agrário (SDA), destinou mais de R$ 732 milhões em ações voltadas à segurança hídrica e alimentar, assistência técnica, apoio às cadeias produtivas, regularização fundiária, trabalho e renda, saneamento básico e inclusão social. Somente através do Projeto São José (PSJ III), 34.897 famílias foram atendidas com a implantação de 263 sistemas de abastecimento d´água em 122 municípios e um investimento de mais de R$ 140 milhões.

A ação de segurança hídrica foi reforçada com construção de 36.7894 cisternas de primeira água para consumo humano e 7.040 cisternas destinadas à produção agrícola. Além disso, através do Programa Água Para Todos, foram perfurados 224 poços profundos, instalados 177 chafarizes e construídas 929 barragens subterrâneas.

Convivência com o semiárido

Outra aposta da secretaria é o uso das tecnologias sociais. No período, foram implementados 150 reusos d´água de cinzas domiciliares. O equipamento reutiliza o descarte d´água de pias e banheiros domésticos custa bem pouco e faz toda a diferença no quintal. Através de uma complexa trama de canos e filtragens duas filtragens físicas e uma biológica é possível reduzir o consumo d´água na hora de plantar, enriquecer o solo com nutrientes e colaborar na preservação do meio ambiente.

“Antes, para o jovem trabalhar, tinha que ir para cidade e o (Projeto) Paulo Freire me deu essa oportunidade: para que eu ficasse aqui na propriedade trabalhando junto aos meus pais”, narra o jovem agricultor de apenas 24 anos sobre os benefícios que o projeto de combate à extrema pobreza trouxe para própria vida. “Eu já fazia os plantios e a assistência técnica veio para melhorar esse cuidado com as minhas plantas e com os animais – e também passei a melhorar a renda aqui de casa com as minhocas que a gente cria a partir do reuso”, narra Gino Barroso, de apenas 24 anos.

Com uma ajuda da inclinação do terreno, a primeira etapa acontece numa caixa de gordura onde toda sujeira de óleos e resíduos domiciliares é filtrada e encaminhada por meio de tubulação ao minhocário. Aqui, os resíduos orgânicos são tratados pelo animal que habita em solos úmidos e precipitam por gravidade através das camadas de seixo, brita, areia lavada e serragem, que ficam logo abaixo, numa profundidade total de 2,5 metros. O material líquido restante desliza por mais um encanamento, quando é recolhido por uma caixa d´água e de lá bombeado para uma horta com pés de goiaba, amora, tomate-cereja, pimentão e quiabo.

“A tecnologia social é uma tecnologia para ajudar a vida do agricultor na zona rural, que seja fácil o acesso e a manutenção”, ilustra o conhecimento apreendido com as capacitações e oficinas do projeto. “No caso do biodigestor, a gente gera um gás (metano) e, a partir disso daí, não precisa mais você comprar o gás (de cozinha) – que a gente comprava aqui mesmo pela comunidade”, resume numa única frase a economia de quase R$ 80 no orçamento da família.

Nas portas do Céu

Mais do que nos outros dias do ano, é no 19 de março que os agricultores cearenses olham para o céu em busca de alguma esperança. Reza a lenda que se chove no dia em que se louva o santo padroeiro do Estado do Ceará, o carpinteiro e “pai terreno” de Jesus Cristo cumpre a promessa de enviar muita chuva nos três meses seguintes. Com isso, é só esperar o sinal do santo que a abundância na mesa das famílias do campo não há de faltar.

Curiosamente, o “Padroeiro dos Trabalhadores e das Famílias” é reconhecido apenas no saber popular como o responsável pelas chuvas no Nordeste brasileiro. É que nos outros 15 estados, e em todo mundo católico, é São Pedro quem porta as chaves para abrirem os céus e, com isso, determinar se fará chuva, ou Sol. Na dúvida de agradar um santo, ou outro, e garantir uma boa colheita, vale até mesmo acender duas velas: uma para cada santo, como forma de não desagradar ninguém.

“Eu te darei as chaves do reino dos céus e o que ligares na Terra será ligado nos céus, e o que desligares na terra será desligado nos céus.” (Mt 16:17-19).

Nos livros do tempo

A crença sertaneja tem uma ponta de fundamento científico, garante o metereologista da Funceme, Meiry Sakamoto. Nos estados nordestinos mais próximos da linha do Equador, uma grande influência para determinar a quadra invernosa é a convergência de ventos alísios vindos do Norte e do Sul da linha imaginária que divide o globo terrestre em duas metades.

Essa zona de convergência intertropical é de extrema importância para chuva em Estados como Piauí, Rio Grande do Norte e Ceará. Normalmente, quando é nessa época do ano, essa zona atravessa a região equatorial, atingindo três graus de latitude sul, chegando a esses Estados. Isso coincide justamente com o dia em que se comemora o santo padroeiro dos cearenses e de todos agricultores nesses estados.

“[Entretanto] O fato é que se você observar os dados passados, das chuvas no dia 19 de março, a gente ver que não existe uma relação direta entre chover bem nesse dia e ter uma boa estação chuvosa. Por exemplo, em 1974, teve registro de chuva em poucas localidades e, no entanto, a estação chuvosa foi muito boa. Em 2009, também poucos postos (metereológicos) informaram chuva e a estação chuvosa foi muito boa. E, no sentido contrário, em 2012 e 2013, o registro de chuva no dia 19 foi muito bom, no entanto a quadra invernosa não foi muito boa”, cita.