Apicultores cearenses garantem o maior financiamento popular do Brasil

1 de julho de 2020 - 15:58

Texto: André Gurjão

No Estado do Ceará, a Cooperativa Regional dos Trabalhadores Apícolas Assentados e Assentadas da Reforma Agrária garantiu um crédito de R$ 3 milhões pelo Finapop. Os recursos do financiamento popular foram anunciados durante transmissão pelo Youtube no canal do ex-banqueiro Eduardo Moreira. “A operação já está feita”, confirmou o criador das empresas Brasil Plural e Genial Investimentos. Além da Cooperamel, os cacaueiros baianos garantiram anteontem à noite R$ 1.979.000.

 

A direção estadual do MST avalia, agora, se o valor total será disponibilizado para Cooperamel, ou redistribuído com a finalidade de fortalecer a cadeia produtiva no Estado. “Temos a cooperativa para nos livrar do atravessador, porque eles ganha tudo e nós não ganha é nada. Se Deus quiser, a nossa cooperativa vai crescer que nem os anjos do céu”, torce Valdeci Luis de Sousa, sócio fundador da Cooperamel e assentado da reforma agrária em Mombaça.

Com os recursos, a Cooperamel estima chegar à seis toneladas por dia no entreposto de Mombaça: incluindo aí o aumento no número de colmeias e da área total destinada à apicultura. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra informa ainda que 1.800 famílias do garantiriam um aumento de renda de mais de 40%. Hoje, a comercialização acontece a partir de feiras e compras governamentais e a intenção é levar o mel Terra Conquistada para os mercados convencional e externo.

Outras melhorias incluem o investimento em cursos técnicos voltados à agroecologia para o público jovem na escola do campo Paulo Freire. “Apesar de sete anos de seca, seguimos preservando o meio ambiente e, hoje à tarde mesmo (29/6), a cooperativa conseguiu recolher uma tonelada de mel”, informa Sheila Rodrigues, coordenadora da cadeia produtiva do Mel no Nordeste e da Frente da Comercialização do MST no Ceará, citando a capacidade organizativa da Cooperamel.

Uma história de parcerias

A produção apícola nas 64 comunidades rurais atendidas pelo MST começou em 1995 e, desde 2015, as famílias assentadas passaram a ser beneficiadas pelo Projeto São José III. A iniciativa do Governo do Ceará colaborou prestando assistência técnica, realizando melhorias nas infraestruturas dos apiários e das casas de mel, além da aquisição de equipamentos. “Esse financiamento (do Finapop) vai servir para potencializar uma estrutura que já existe”, reconhece Sheila Rodrigues.

“Uma coisa é certa: temos ainda a necessidade de capital de giro e de uma estrutura de armazenamento, o que possibilitaria um preço mais justo para o nosso apicultor”, avaliza a coordenadora da cadeia produtiva do Mel no Nordeste e da Frente da Comercialização do MST no Ceará. Outras melhorias previstas com o novo investimento são a implantação de uma estrutura de laboratório para o controle de qualidade do mel e a seleção do produto conforme a florada.

Atualmente, o Finapop é uma iniciativa exclusivamente voltada para projetos em áreas de assentamentos do MST. Com o fundo popular, pequenos e médios investidores injetam recursos em cooperativas, contribuindo para produção de alimentos saudáveis e promovendo distribuição de renda. Os participantes do fundo, de acordo com Eduardo Moreira, têm a garantia de retorno financeiro pelos mesmo padrões aplicados pelo mercado.

Inspiração na sustentabilidade

O Finapop é uma iniciativa do ex-banqueiro Eduardo Moreira que teve inspiração na criação do banco europeu Triodos, em 1980. “A pergunta é: que mundo você quer financiar com o seu dinheiro?! O capital aplicado numa poupança, fundo ou CDB, não pára ali. Serve para outras atividades e, às vezes, o investidor acaba financiando algo que em sã consciência jamais apoiaria, como: fabricação de armas, indústrias estrangeiras, ou empréstimos com juros abusivos”, cita como exemplos.

“Se você pudesse receber o mesmo valor, com uma taxa de juros de 4% ou 5% ao ano, o que você financiaria?!”, sugere. “Hoje, a população mais pobre acessa empréstimos com juros de 5% a 8% ao mês, o que cria um verdadeiro abismo social. Transparência e propósito são as nossas armas para fazer com que o trabalhador ultrapasse esse fosso de distribuição de riquezas no Brasil”, defende destacando a taxa de inadimplência do Pronaf, em torno de 1%.

Segundo ele, o Finapop dispõe de pelo menos 1.750 investidores e financia a construção de um frigorífico no município Nova Santa Rita, no Rio Grande do Sul, no valor de R$ 1 milhão. O assentamento do MST já possui abatedouro para venda da carcaça suína e planeja entregar o novo equipamento em fevereiro, produzindo salame, defumados e linguiça. “Esse financiamento é importante porque é feito por quem acredita na organização dos agricultores”, opina o agricultor Milton José Fornazieri.

Cacau cabruca baiano

Na Estado da Bahia, a ideia é apoiar a Cooperativa dos Pequenos Produtores da Cacau. O investimento de R$ 1.979.000 garantiria o beneficiamento de três mil toneladas de amêndoa de cacau seca, 39,6 toneladas de cacau para produção de nibs e 13,2 toneladas de cacau para produção de chocolate em barra ao ano. “São duas ou três peças que, às vezes, faltam na engrenagem da produção e isso impede alavancar o crescimento de uma inicitiva que vem dando certo”, justifica Eduardo.

A produção atual das mil famílias assentadas em 32 assentamentos da reforma agrária no Sul da Bahia é de 208.650 arrobas em 5.350 hectares informa Lucineia Durães. “As áreas de cacau no Sul da Bahia são áreas com um histórico de abandono e de maus tratos, especialmente na década de 90, quando houve o abandono dos latifúndios na chamada crise das vassouras de bruxa. É nesse período que o MST avançou na produção de alimentos saudáveis e de geração de ocupação e renda nessa região”, narra a dirigente.

“Do ponto de vista da recuperação da lavoura, esse investimento torna possível colocar um cacau com maior produtividade e ainda realizar a capacitação dos nossos agricultores e agricultoras familiares. O impacto na renda seria elevar a produtividade de 39 arrobas para 60 arrobas por hectare/ano. Possibilitando aumento de renda de R$ 7.000 por hectare/ano. O arranjo produtivo disponibilizará a instalação de uma fábrica de beneficiamento do cacau capaz de produzir 30 kg de chocolate e 150 kg de nibs/ dia.

“E não estamos falando de qualquer cacau, mas cacau de orgânico. Somos os maiores produtores de cacau em regime de cabruca da Bahia, protegemos a Mata Atlântica, melhoramos a qualidade do solo e favorecemos a biodiversidade. Por isso, acessar o Finapop é fundamental para realizarmos o sonho de uma maior rentabilidade e mais sorrisos para quem produz e consome cacau no nosso País”, conclui. O cacau cabruca é um sistema ecológico de cultivo agroflorestal.