Algodão Agroecológico: agricultores celebram boa colheita no semiárido cearense
17 de setembro de 2024 - 11:12
Texto: Glauber Sobral / Fotos: Arquivo e Nildo Vasconcelos
O ouro branco floresce no semiárido cearense e pinta de branco o roçado do agricultor Raimundo Mesquita, mais conhecido como Neguim das Barreiras, no Assentamento Saco Verde, zona rural de Irauçuba. Colher o que a terra dá transborda de alegria aos olhos do produtor.
“Todas as sementes plantadas aqui são do Hora de Plantar. Quando a gente vê isso daqui tudo florescendo é a maior felicidade. Colher algodão é uma festa, uma maravilha”, celebra o agricultor.
Para estimular a produção algodoeira no campo cearense, o Governo do Ceará, por meio da Secretaria do Desenvolvimento Agrário (SDA), investiu R$ 812 mil no Projeto Algodão Agroecológico, implementado em 29 municípios cearenses.
“Nós temos clareza da importância econômica e histórica que tem o algodão para o Ceará e para o Nordeste. Então, na última safra 2023/2024, a partir de uma parceria muito forte com Associação dos Produtores de Algodão do Estado do Ceará (Apaece), o Governo do Ceará, via SDA, fez investimentos da ordem de R$ 812 mil para a retomada qualificada e segura da produção do algodão no Ceará”, explica secretário executivo da SDA, Marcos Jacinto.
Conforme o secretário, a decisão de investir na revitalização da cotonicultura se deu após convite da entidade em reunião na sede da secretaria. “A Apaece desenvolve o Ouro Branco e, a partir deste projeto, a entidade convidou o Governo do Estado para fazer parte do arranjo institucional e fortalecer a produção algodoeira. Já nesta safra 2024, o Governo do Ceará investiu diretamente R$ 280 mil em sementes e R$ 532 mil em bioinsumos para a produção de algodão agroecológico, somando 634 hectares de algodão em caroço”, destacou Marcos Jacinto.
Boa safra do algodão
Jacinto detalha as razões do sucesso da safra. “Tivemos uma quadra chuvosa que superou as expectativas, gerando uma produção bastante significativa. Na parceria direta do projeto Ouro Branco, conseguimos uma produtividade considerável para o nosso Estado. Tudo com base na agroecologia e na sustentabilidade”, ressalta.
Para a safra 2024/2025, a perspectiva é dobrar a quantidade plantada no Ceará, adianta o executivo. “Já temos colocada no programa Hora de Plantar uma proposta para dobrar a quantidade de sementes para os agricultores e agricultoras familiares. Será uma oportunidade de potencializar a produção de algodão agroecológico, tendo em vista que ela gera uma ampliação de renda para a agricultura familiar cearense”, projeta Jacinto.
Praga do bicudo
O cenário da colheita no semiárido cearense de hoje contrasta com o dos anos 1980 e 1990, quando a praga do bicudo-do-algodoeiro (Anthonomus grandis) assolou a produção de algodão no semiárido cearense. Na época, o Ceará chegou a perder 1,2 milhão de hectares da cultura.
A peste dizimou a produção de algodão mocó no Vale do Curu. Irauçuba foi uma das cidades mais afetadas do interior. A tragédia está guardada na memória de Neguim das Barreiras. “Foi mudar da água para a lama. Naquele tempo, os pais de família tiravam o sustento do ‘ouro branco’. Quando acabou o algodão, ficaram só a mamona, o milho e o feijão”, lamenta.
A dificuldade chegou no roçado da família do agricultor, na época em que era “bem mais jovem”. “O algodão era bom porque quando você colhe, já pode vender. Eu vi produtor familiar chorar porque não tinha mais algodão. Eu sofri porque vi meu pai e minha mãe sofrendo e todos os agricultores tinham a mesma lamentação. É tanto que um bocado de gente não pode mais ficar no mato”, recorda.
A cultura algodoeira na região sofreu um queda drástica e transformou o “ouro branco” em memória. “Não tinha como sobreviver só com o milho e o feijão. Infelizmente, aquele mal chegou para atrapalhar muita gente”, crava Raimundo Mesquita.
O Estado já foi considerado o maior produtor do Nordeste e terceiro maior de algodão do Brasil. Segundo Marcos Jacinto, para evitar a volta do bicudo, a SDA aderiu a um protocolo de cuidados, trabalhado junto aos agricultores de forma coletiva. “A questão do controle do bicudo tem sido feita em duas fases. A fase de produção, em que são utilizados dois bioinseticidas para controle da praga, e depois dessa fase, com a parceria da Adagri, a gente tem buscado fortemente fazer o vazio sanitário, ou seja, a ação de retirar do campo ainda os restos culturais que possam servir de elemento de reprodução do bicudo. Um trabalho desenvolvido em equipe que tem garantido a segurança necessária para a ampliação dos resultados da safra 2023/2024”, descreveu o secretário.
Apoio
O Governo do Ceará vem trabalhando para garantir o sucesso do Projeto Algodão Agroecológico e garantir a retomada sustentável da cultura no semiárido. O trabalho vem sendo retomado em Irauçuba e mais 28 cidades cearenses, explica o técnico da SDA, Wanderley Magalhães.
Foram investidos mais R$ 740 mil, destinados à Ematerce e apoio ao trabalho desempenhado pelos técnicos da Coordenadoria de Desenvolvimento da Agricultura Familiar (Codaf). “A cultura do algodão foi pensada como mais uma possibilidade de gerar renda e qualidade de vida para o homem e a mulher do campo. E a perspectiva, junto com o projeto Ouro Branco, é que o projeto seja ampliado para 70 municípios. Como profissional, ver a retomada do programa como o algodão nos dá um enorme prazer”, comemora o técnico da SDA.
Ouro Branco
O projeto Ouro Branco nasceu da proposta de retomar a cotonicultura no estado e garantir segurança em todas as fases da produção do algodão. “O Ouro Branco tem o arranjo institucional muito forte de envolver várias organizações para fortalecer a cotonicultura no Ceará. Além da Apaece, temos a contribuição das secretarias municipais de Agricultura, da Ematerce, da Adagri e da Universidade Federal do Cariri. Juntos, cada um cumpre um papel importante nessa perspectiva de retomada do algodão”, salientou Marcos Jacinto.
“No ano passado, o Governo do Estado se reuniu com demais parceiros, prefeituras municipais, Apaece, UFCA, Ematerce, além da indústria que faz a comercialização. Essa é uma das grandes vantagens do projeto, ter esse acordo de cooperação com todos os entes e, assim, garantir todo o processo agroecológico do projeto”, pontuou Wanderley Magalhães.
O apoio das gestões municipais garantiu o fortalecimento do Projeto Algodão Agroecológico, lançado no ano passado pelo Governo do Ceará. Um trabalho feito em equipe que tem garantido o sucesso da colheita no interior cearense.
Representante da Secretaria do Desenvolvimento Rural de Irauçuba, Patrícia Mesquita detalha a atuação da gestão municipal na retomada do programa. “A parceria com o Governo do Ceará fortalece a cultura do algodão e a economia aqui no nosso município. O agricultor faz a plantação, colhe, vende e a renda fica toda na cidade. Dentro da retomada, entramos com a preparação da terra e o apoio técnico”, esclarece.
Patrícia Mesquita relata que a gestão municipal entra com a logística da venda de produção. “Nossa secretaria coleta o produto na casa do produtor e leva para a sede da cidade, onde a indústria colhe a produção total do município. Estimamos que de 35% a 40% dos habitantes de Irauçuba sejam agricultores, cerca de 8 mil habitantes”, conclui a jovem, filha do agricultor Raimundo Mesquita.
Outro destaque do Projeto Algodão Agroecológico é o trabalho desempenhado pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ceará (Ematerce). “Nosso papel na retomada deste programa está na distribuição de sementes e no acompanhamento dos agricultores em todo o Ceará, devido à capilaridade da empresa em todos os municípios. Trabalhar nessa cultura que já foi presente em todo estado, prejudicada pela praga do bicudo, e que hoje está em retomada é um prazer enorme e uma grande satisfação”, frisa o técnico Claudenir Castro.
Algodão, do afeto ao perfume do agricultor
Com o bornal cheio de algodão, Seu Neguim agradece. “A gente vê tudo isso voltando para o nosso município é uma grandeza. Em outras épocas, nós não tínhamos o apoio de ninguém. Hoje, com o apoio do Governo do Ceará, a nossa vida melhorou bastante. É mudar da água para o vinho. Vocês não têm noção de como ter o algodão para vencer é importante para uma família da agricultura familiar. O algodão é o perfume do agricultor”, refletiu.
Plantar e colher algodão é o trabalho da família da zona rural de Irauçuba. O “ouro branco” brota nos quintais de Seu Francisco, pai de Neguim, e da também agricultora Vânia Ferreira, tia de Patrícia. A delicadeza da cultura do algodão une os familiares no entrelaçar de afetos.
“O algodão dá menos trabalho que outras culturas. Se não fosse a coluna e quentura do sol, eu colhia mais. Colher algodão é prazeroso, é bem divertido”, sorri a produtora rural Vânia Ferreira, em um roçado ao lado da casa de Seu Neguim.
Para Seu Neguim, a colheita do algodão é “barriga cheia do agricultor”. “Dá para ganhar um dinheirinho bom com a produção algodoeira. E neste ano, eu tive o privilégio de trabalhar eu, meu pai, meus filhos e minha neta. Foram quatro gerações trabalhando em um lugar só. A gente ver isso é a alegria da família que nenhum dinheiro compra”, ensina o produtor rural.